
Endividamento rural

Endividamento rural
*Palestra proferida no III Congresso Nacional de Direito Agrário, realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), em São Paulo, no dia 23 de Agosto de 2019. Dentre todas as atividades…
Ler artigoNo contrato de seguro rural, inclusive o seguro agrícola de safra, a indicação do beneficiário não altera a legitimidade ativa do segurado.
Ultimamente, muito se tem discutido sobre quem seria o titular do direito de ação para exigir o cumprimento/pagamento do contrato de seguro agrícola quando há a estipulação de beneficiário. Esta é uma questão interessante, pois a grande maioria das apólices indica um beneficiário, normalmente o financiador ou fomentador da atividade. Logo, trata-se de uma estipulação em favor de terceiros que visa, precipuamente, garantir o pagamento da dívida em caso de perda de safra.
As seguradoras têm alegado, em sua defesa, a ilegitimidade ativa do segurado, buscando, com isto, obviamente, escapar do cumprimento do contrato. Esta alegação, contudo, não resiste a um simples exame das disposições do Código Civil, nem se sustenta frente ao entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça.
O contrato de seguro é regulado pelo Código Civil, a partir do artigo 757. Este primeiro artigo já estabelece, de forma clara e direta, que o contrato de seguro visa “garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”. É óbvio, portanto, que é da natureza do contrato de seguro garantir o interesse legítimo do segurado. Ele é o contratante e, por lógica, é também o legítimo interessado no cumprimento do contrato.
Se o segurado estipulou como beneficiário um terceiro, esta estipulação em favor de terceiro (para garantir uma dívida, por exemplo) não altera, e nem poderia, a legitimidade do segurado como o primeiro e maior interessado no cumprimento do contrato de seguro, mesmo que para pagamento a um terceiro, para quitar uma eventual dívida.
A própria lógica negocial milita em favor desta conclusão, pois o segurado é o contratante e pagador do prêmio, somente o segurado tem o direito de comunicar o sinistro e somente o segurado pode participar do processo de regulação do sinistro pois o terceiro beneficiário tem apenas uma expectativa de direito, enquanto o direito de ver cumprido o contrato de seguro pertence ao próprio segurado, ainda que para pagamento a outrem.
Avançando mais no debate, o Código Civil estabelece, no artigo 436, que “o que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação”. No contrato de seguro, o beneficiário é, por óbvio, um terceiro em favor de quem se estipulou. Não é parte, não é contratante, é apenas e tão somente o beneficiário de eventual indenização.
Assim, não há dúvidas, no plano do direito material, que o titular do direito é o contratante (segurado), não o beneficiário. E se o segurado é o legitimo titular do direito material, é dele também a titularidade processual para exigir o cumprimento do direito material.
Prosseguindo nesta questão, o parágrafo único do artigo 436 do Código Civil, estabelece que “ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigí-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438.”
Não há dúvidas. A norma civil é clara, se o terceiro “também” pode exigir o cumprimento do contrato é porque o primeiro e principal legitimado é o segurado. O beneficiário “também” pode, mas não é o principal e nem único que pode. Haveria, neste caso, uma legitimidade subsidiária em favor do terceiro beneficiário, o que em nada altera ou exclui a legitimidade do segurado contratante.
E para que não haja nenhuma dúvida o legislador civil estabeleceu, ainda, no artigo 437, que “Se ao terceiro, em favor de quem se fez o contrato, se deixar o direito de reclamar-se a execução, não poderá o estipulante exonerar o devedor”. Ou seja, a seguradora pode, inclusive, pagar diretamente ao segurado e ser por ele exonerada, mesmo que haja beneficiário, exceto se houver, no contrato, uma estipulação de que somente o beneficiário pode reclamar a execução do contrato.
Sob a ótica legal, portanto, a regra é a legitimidade exclusiva do segurado (art. 436 do CC), mas o beneficiário também pode exigir, subsidiariamente, o cumprimento do contrato. Isto posto, somente quando expressamente inserido no contrato que o direito de reclamar o seu cumprimento está sendo transferido ao beneficiário é que se poderá falar em ilegitimidade ativa do segurado.
Por fim, voltando agora para a interpretação da norma civil, o posicionamento do e. Superior Tribunal de Justiça é pacífico no sentido de que “A instituição de beneficiário distinto do segurado no contrato não lhe retira legitimidade para pugnar pelo pagamento da indenização pela seguradora.” (RESP 594.953-PR, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha).
E o e. Min., no voto, esclarece: “Ora, ainda que o benefício pleiteado tenha como destinatário terceira pessoa, é nítido o interesse do segurado no adimplemento da obrigação segurada, seja para satisfazer seu débito junto ao alienante, seja para apurar eventual saldo remanescente. Dessa forma, o segurado, ainda que instituído terceiro beneficiário, possui legitimidade para pugnar pelo pagamento da cobertura à beneficiária.”
Não há dúvidas, portanto, que, no contrato de seguro rural, inclusive o seguro agrícola de safra, a indicação do beneficiário não altera a legitimidade ativa, tanto do direito material, como do direito processual, de exigir o cumprimento do contrato, exceto se houver cláusula expressa transferindo este direito ao beneficiário (art. 437 do CC).